Sangue - O que aconteceu em 14 de junho de 2000? - INDICETJ.COM Escandalo sobre Testemunhas de Jeova

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O QUE ACONTECEU EM 14 DE JUNHO DE 2000?
Brasil, 28 de junho de 2002

A posição da Sociedade na questão do sangue, que já não era clara, consegue ficar ainda mais confusa.

O Vítor trabalhava em seu escritório localizado no 8.o andar quando o Carlos, que trabalhava no 7.o, ainda ofegante pois não tinha esperado o elevador, chegou para dar ao amigo a notícia (os nomes foram trocados). Que notícia? "Acabei de ler no O Estado de São Paulo que a cúpula das Testemunhas de Jeová liberou as transfusões de sangue." O Vítor, que era Testemunha de Jeová, com um argumento esperto, disse que a imprensa é assim mesmo. "Se uma decisão dessas fosse tomada, nós seríamos os primeiros a ser avisados. Não se pode confiar nesses jornais", disse Vítor. "Eles só querem ver o circo pegar fogo. É tudo boato", completou. Mas será mesmo? O que de fato aconteceu em 14 de Junho de 2000? O Vítor, por não ter convencido nem a ele mesmo da explicação que deu ao Carlos, esperava que um anúncio fosse feito no Salão do Reino ou que, no mínimo, algum irmão comentasse algo, afinal isso é algo sério demais pra ser simplesmente desprezado. Pra surpresa dele, ninguém falou absolutamente nada, e ele deixou isso de lado por um tempo. Gostaria de saber o que de fato aconteceu naquela data?

No dia 14 de Junho de 2000, o conceituado jornal The Times de londres sai com a manchete Testemunhas dão meia-volta em transfusões de sangue. No mesmo dia o jornal O Estado de São Paulo, baseando-se na matéria do Times, publica a nota Testemunhas de Jeová podem fazer transfusão. Veja a seguir o texto da nota:

LONDRES - As Testemunhas de Jeová poderão submeter-se a transfusões de sangue sem correrem risco de excomunhão, no que representa uma mudança doutrinária radical. Tomada numa reunião secreta dos 12 membros que orientam mundialmente o movimento, em sua sede em Nova York, a decisão foi caracterizada como um "pequeno ajuste" pelos líderes da religião. A nova posição sobre as transfusões representa o maior abandono de posição no movimento desde que o Armagedon previsto para 1975 não ocorreu. (The Times)

Na verdade, não somente o Estadão mas também a BBC, de Londres, publicou no website deles - que pode servisto aqui - a mesma notícia. Por que teriam dois bem-conceituados órgãos de notícias, o The Times e a BBC, publicado artigos com manchetes tais como as acima? Naturalmente, porque eles receberam essa informação de uma fonte oficial. Foi o porta-voz da Sociedade em Londres, Paul Gillies, que divulgou uma nota aos meios de comunicação anunciando as medidas. O que ocorreu, porém, foi que no mesmo dia, ou no seguinte, Paul Gillies parece ter desmentido ou corrigido o que ele próprio tinha divulgado, pois o jornal o Estado publicou, no dia seguinte, uma nota dizendo tratar-se de um erro do jornal Inglês. Segue o texto da correção do Estado:

Ao contrário do que foi noticiado na nota "Testemunhas de Jeová: transfusão de sangue liberada" (Geral, 14/6, pág. 17A), elas não podem receber transfusão de sangue. A informação foi divulgada pela Ansa, agência noticiosa italiana, com base em reportagem do Times. Ontem, a agência retificou a notícia, alegando erro do jornal.

Contudo, há algo no mínimo estranho em tudo isso. Como é que dois órgãos de notícias bem-respeitados tirariam coincidentemente a mesma conclusão de um comunicado divulgado à imprensa? Como se explica que não há nota alguma de erro no website do Times, apesar de o Estado ter dito que a Ansa desmentiu alegando erro daquele jornal? Teria sido essa confusão provocada propositalmente pela filial Inglesa da Sociedade? Não se sabe. Veja a seguir a tradução da matéria do Times, publicada no jornal em 14 de Junho de 2000 e que gerou tudo isso:


Testemunhas dão meia-volta em transfusões de sangue

(por Ruth Gledhill, correspondente de religião)

Transfusões de sangue passam a ser permitido para as Testemunhas de Jeová depois de uma extraordinária meia-volta feita por líderes desta religião controversial. Os anciãos decidiram que as Testemunhas de Jeová que aceitarem transfusões em situações de vida-ou-morte não mais terão de enfrentar excomunhão de sua religião. Este passo representa a maior mudança no movimento desde que o predito Armagedon não aconteceu como previsto em 1975. Com a mudança nesta prática da Torre de Vigia, transfusões de sangue foi oficialmente relegado a "ato não passível de desassociação". A decisão, tomada em reunião secreta pelos 12 membros do corpo governante mundial, na matriz do movimento em Nova Iorque, foi minimizada pelos líderes da religião como sendo um "ligeiro ajuste". Ela vem no rastro de décadas de publicidade adversa por adultos e crianças terem morrido ou chegado próximo de morrer por causa da fé deles. Apenas na semana passada, a Testemunha de Jeová, Brent Bond, de Nottingham, que perdeu 2,84 litros de sangue em um corte de machadinha, renunciou sua fé apenas segundos antes de perder consciência de modo que pudesse ter uma transfusão de sangue salvadora da vida. Percebendo que sua mãe jamais daria permissão para uma transfusão, ele disse aos paramédicos: "Não sou mais uma Testemunha de Jeová. Dou minha permissão para uma transfusão." Em Janeiro, uma jovem mãe, Beverly Matthews, 33, de Stockport, morreu depois de recusar uma transfusão de sangue de emergência. Em Março do ano passado, a Associação de Anestesistas emitiu novas diretrizes declarando que as Testemunhas de Jeová podiam ser permitidas morrer se recusassem transfusões.

Cartas já foram enviadas a anciãos por toda Grã-Bretanha, onde existem cerca de 130.000 Testemunhas de Jeová, bem como para os anciãos dos outros seis milhões de aderentes no mundo explicando que eles não mais devem expulsar membros que aceitarem sangue. Os anciãos vão então comunicar às comissões locais de ligação com hospitais, que fazem a ligação entre as Testemunhas de Jeová e a equipe médica. As Testemunhas de Jeová vêem a vida como uma dádiva de Deus, representada pelo sangue. Eles interpretam certas passagens da Bíblia como significando que não podem aceitar nenhuma forma de transfusão de sangue. O ensino quanto ao sangue propriamente dito não mudou, mas até hoje qualquer Testemunha de Jeová que conscientemente aceitasse sangue ou que permitisse à sua criança ou bebê uma transfusão de sangue, mesmo sabendo que eles morreriam sem ela, enfrentava a "desassociação".

Paul Gillies, porta-voz das Testemunhas de Jeová, que têm sua filial Inglesa em Mill Hill, North London, disse que não aceitar sangue ainda era um "valor fundamental" da religião. "É bem provável que alguém sob pressão numa mesa de operação tomaria uma transfusão de sangue porque eles não querem morrer. No dia seguinte pode ser que digam que se arrependeram da decisão. Nós então daríamos a eles conforto e ajuda espiritual. Nenhuma ação seria tomada contra eles. Nós veríamos isso apenas como um momento de fraqueza." Ele disse que mesmo que a Testemunha de Jeová não se arrependesse, ela não seria expulsa mas apenas vista como tendo se "dissociado" da religião.

Geoffrey Unwin, uma ex-Testemunha de Jeová que agora escreve sobre a religião sob o nome de King James, disse: "As Testemunhas de Jeová que são excomungadas passam a ser taxadas de apóstatas ou anticristos e os amigos e parentes dentro do movimento são instruídos a evitar a companhia dela, nem mesmo a cumprimentando se um encontro por acaso acontecer na rua." Ele previu raiva generalizada quanto à mudança e disse que conhecia dois ex-membros que estavam considerando tomar ação legal. "Eu conheço uma pessoa que foi enxotada apenas por questionar este ensino. Eles foram evitados por todos os amigos e vizinhos e tiveram que mudar de casa."


Paul Gillies escreve ao The Times. E um leitor também.

Dois dias depois da publicação da matéria acima pelo Times, Gillies escreve ao Times na tentativa de esclarecer o que ele achou que os meios de comunicação não tinham entendido. Note que não trata-se de uma nota de erro do Times. O Times, numa elogiável atitude de imparcialidade, apenas publica o que recebeu de Paul Gillies, provavelmente à pedido dele. Nesta mensagem, contudo, Gillies evita cuidadosamente termos comprometedores. Por exemplo, ao invés de dizer que a Testemunha com sua ação se "dissocia", ele diz que o "indivíduo não mais é visto como membro da congregação Cristã das Testemunhas de Jeová". Pior ainda, ele não diz que alguém se dissociar significa, para todos os efeitos práticos, o mesmo que ele ser desassociado (expulso).
Todavia, um leitor também escreve ao Times e dá uma dica do que pode estar por trás dessa mudança: Dinheiro e relações públicas, ao invés do bem-estar espiritual das Testemunhas.


Uma coisa é ruim, a outra pior ainda

É difícil imaginar que órgãos noticiosos tradicionais tais como o The Times, BBC, Ansa, Estado de São Paulo, tenham todos mal-interpretado o comunicado distribuído pela filial em Londres, porque observe que tanto a BBC como o Times botam entre aspas quando dizem que as transfusões passam à categoria de "atos não passíveis de desassociação". Das duas uma: Ou este comunicado foi uma verdadeira trapalhada, ou uma tentativa de lograr a imprensa - por não conhecer os detalhes da terminologia usada pelas Testemunhas - foi o que foi intencionado. Tão mau quanto isto em si já seja, temos agora o Paul Gillies a enviar uma nota ao The Times dizendo que aceitação de transfusão de sangue sinaliza o desejo da Testemunha de se dissociar. Se isto for realmente assim, isto também é lamentável visto que as Testemunhas não estão - pelo menos não até esta data - de forma alguma cientes disso, pois tal orientação não encontra-se em nenhuma publicação da Sociedade. Estaria a Sociedade, a exemplo do que ocorreu em Portugal e na Bulgária, a adotar regras diferentes para países diferentes? Estariam as Testemunhas a receber agora "alimento espiritual" através da imprensa? Infelizmente, parece que sim!

Está confuso? Não se sabe se confusão foi exatamente o que a Sociedade quis, mas sabe-se que foi precisamente isso o que ela gerou.

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