607 - CAPÍTULO 7: TENTATIVAS DE ENFRAQUECER A EVIDÊNCIA
Carl Olof Jonsson
Conforme relatado na Introdução, o manuscrito original deste trabalho foi apresentado pela primeira vez à Watch Tower Society em 1977. Durante a correspondência posterior com a sede dessa organização, foram apresentadas linhas de evidência adicionais, que mais tarde foram incluídas na edição deste trabalho, em 1983.
De posse de toda esta informação, seria de esperar que o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová, na sede de Brooklyn, estivesse preparado para reavaliar o seu cálculo dos tempos dos Gentios de acordo com o seu anunciado interesse na verdade bíblica e nos factos históricos. Pelo contrário, eles escolheram reter e defender a data 607 A.E.C. e as interpretações baseadas nela.1
A. O APÊNDICE DO LIVRO "VENHA O TEU REINO" DA WATCH TOWER SOCIETY
A nova defesa da data 607 A.E.C. apareceu num livro publicado em 1981, intitulado "Let Your Kingdom Come" ["Venha o Teu Reino"]. No capítulo 14 (páginas 127-140) desse livro, é apresentada outra discussão do cálculo dos tempos dos Gentios, que essencialmente não difere de discussões anteriores sobre o assunto nas publicações da Watch Tower. Mas num "Apêndice ao Capítulo 14", em separado, no fim do livro, algumas das linhas de evidência que contrariam a data 607 A.E.C. são brevemente discutidas -- e rejeitadas.2 Contudo, essa discussão tem uma grave falta de objectividade e não passa de uma fraca tentativa de esconder factos.
Na área da investigação histórica, um acontecimento é geralmente considerado um "facto histórico" se for testificado por, pelo menos, duas testemunhas independentes. Reconhecemos esta regra da Bíblia: "Pela boca de duas ou três testemunhas, todo assunto seja estabelecido". (Mateus 18:16) No Capítulo 2 da primeira edição do presente trabalho foram apresentadas sete "testemunhas" históricas contra a data 607 A.E.C., sendo que pelo menos quatro delas se qualificam claramente como testemunhas independentes. A maioria dos registos que dão este testemunho sétuplo, encontram-se em documentos preservados da própria era Neo-Babilónica. Estes incluem inscrições reais, documentos de transacções comerciais e a estela [ou coluna] de Ápis, da dinastia egípcia contemporânea Saite. Só os diários astronómicos, a cronologia Neo-Babilónica de Beroso e a lista de reis do Cânone Real ("Cânone de Ptolomeu") são encontrados em documentos posteriores, mas verificou-se que estes registos foram copiados de outros anteriores que -- directa ou indirectamente -- remontam à era Neo-Babilónica.
Nos capítulos 3 e 4 da presente edição actualizada da obra, as sete linhas de evidência originais foram duplicadas para catorze. As linhas de evidência agora acrescentadas incluem evidência prosopográfica [relacionada com as biografias de indivíduos], pontos cronológicos de articulação que se encaixam uns nos outros e um número adicional de textos astronómicos (a tabuinha de Saturno e quatro eclipses lunares). A evidência contra a data 607 A.E.C. é, pois, esmagadora, e muito poucos reinos [continua na página 289]
"Apêndice ao Capítulo 14", no livro da Watch Tower Society "Let Your Kingdom Come" ["Venha o Teu Reino"] (1981), páginas 186-190:
APÊNDICE AO CAPÍTULO 14
Os historiadores sustentam que Babilônia caiu diante do exército de Ciro em outubro de 539 A.E.C. O rei era então Nabonido, mas seu filho Belsazar era co-regente de Babilônia. Alguns eruditos elaboraram uma lista de reis neobabilônicos e da duração de seus reinados, remontando desde o último ano de Nabonido até o pai de Nabucodonosor, Nabopolassar.
De acordo com essa cronologia neobabilônica, o príncipe herdeiro, Nabucodonosor, derrotou os egípcios na batalha de Carquemis, em 605 A.E.C. (Jeremias 46:1, 2) Depois de Nabopolassar falecer, Nabucodonosor voltou a Babilônia para ascender ao trono. Seu primeiro ano de reinado iniciou-se na primavera seguinte (604 A.E.C.).
A Bíblia relata que os babilônios sob Nabucodonosor destruíram Jerusalém no seu 18.º ano de reinado (19.º quando se inclui o ano de ascensão). (Jeremias 52:5, 12, 13, 29) Assim, caso se aceite esta cronologia neobabilônica, então a desolação de Jerusalém ocorreu no ano 587/6 A.E.C. Mas em que se baseia esta cronologia secular, e como se compara ela com a cronologia da Bíblia?
Algumas evidências principais desta cronologia secular são:
O Cânon de Ptolomeu: Cláudio Ptolomeu era astrônomo grego, que viveu no segundo século E.C. Seu Cânon, ou lista de reis, relacionava-se com uma obra sobre astronomia, produzida por ele. A maioria dos historiadores modernos aceita a informação de Ptolomeu sobre os reis neobabilônicos e a duração de seus reinados (embora Ptolomeu omita o reinado de Labashi-Marduque). Ptolomeu evidentemente baseou sua informação histórica em fontes que datavam do período selêucida, o qual começou mais de 250 anos depois de Ciro ter capturado Babilônia. Portanto, não surpreende que as cifras de Ptolomeu concordem com as de Beroso, sacerdote babilônico do período selêucida.
Estela de Nabonido, de Harã (NABON H 1, B): Esta estela ou coluna contemporânea com uma inscrição foi descoberta em 1956. Menciona os reinados dos reis neobabilônicos Nabucodonosor, Evil-Merodaque e Neriglissar. As cifras para estes três concordam com as do Cânon de Ptolomeu.
VAT 4956: Trata-se duma tabuinha cuneiforme que fornece informações astronômicas datando até 568 A.E.C. Diz que as observações eram desde o 37.º ano de Nabucodonosor. Isto corresponderia à cronologia que coloca seu 18.º ano de reinado em
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587/6 A.E.C. Todavia, essa tabuinha é admitidamente uma cópia feita no terceiro século A.E.C., de modo que é possível que sua informação histórica seja simplesmente a que era aceita no período selêucida.
Tabuinhas comerciais: Milhares de tabuinhas cuneiformes, neobabilônicas, contemporâneas, foram encontradas com simples registros de transações comerciais, mencionando o ano do rei babilônico em que ocorreu a respectiva transação. Tabuinhas desta espécie foram encontradas para todos os anos de reinado dos reis neobabilônicos conhecidos na cronologia aceita do período.
Do ponto de vista secular, tais tipos de evidência talvez pareçam confirmar a cronologia neobabilônica que fixa o 18.º ano de Nabucodonosor (e a destruição de Jerusalém) em 587/6 A.E.C. No entanto, nenhum historiador pode negar a possibilidade de que o atual quadro da história babilônica pode ser enganoso ou errado. Por exemplo, sabe-se que os antigos sacerdotes e reis às vezes alteravam os registros para os seus próprios fins. Ou mesmo quando a evidência descoberta é exata, poderá ser interpretada mal pelos eruditos modernos ou ser incompleta, a ponto de que matéria ainda a ser descoberta poderá alterar drasticamente a cronologia do período em questão.
Evidentemente por reconhecer tais fatos, o Professor Edward F. Campbell Jr. apresentou uma tabela que inclui cronologia neobabilônica com a cautela: "Nem se precisa dizer que estas listas são provisórias. Quanto mais se estuda a complexidade dos problemas cronológicos no antigo Oriente Próximo, tanto menos se está inclinado a pensar numa apresentação como sendo definitiva. Por este motivo, o termo circa [cerca de] poderia ser usado ainda mais liberalmente do que é." -- The Bible and the Ancient Near East (ed. 1965.), p. 281.
Os cristãos, que crêem na Bíblia, têm vez após vez encontrado que a palavra dela suporta a prova de muita crítica e tem-se mostrado exata e fidedigna. Reconhecem que, sendo a Palavra inspirada de Deus, ela pode ser usada como medidor na avaliação da história e dos conceitos seculares. (2 Timóteo 3:16, 17) Por exemplo, embora a Bíblia falasse sobre Belsazar como governante de Babilônia, os eruditos, durante séculos, estavam confusos sobre ele, porque não existia nenhum documento secular que falasse de sua existência, identidade ou posição. Finalmente, porém, os arqueólogos descobriram registros seculares
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que confirmaram a Bíblia. Sim, a harmonia interna da Bíblia e o cuidado exercido pelos seus escritores até mesmo em questões de cronologia, recomendam-na tão fortemente ao cristão, que ele coloca a autoridade dela acima das opiniões de historiadores seculares, que sempre mudam.
Mas, como nos ajuda a Bíblia a saber quando Jerusalém foi destruída, e como se compara isso com a cronologia secular?
O profeta Jeremias predisse que os babilônios destruiriam Jerusalém, e transformariam a cidade e o país numa desolação. (Jeremias 25:8, 9) Ele acrescentou: "E toda esta terra terá de tornar-se um lugar devastado, um assombro, e estas nações terão de servir ao rei de Babilônia por setenta anos." (Jeremias 25:11) Os 70 anos expiraram quando Ciro, o Grande, no seu primeiro ano, libertou os judeus e estes voltaram à sua pátria. (2 Crônicas 36:17-23) Cremos que a leitura mais direta de Jeremias 25:11 e de outros textos é que os 70 anos contam desde quando os babilônios destruíram Jerusalém e deixaram a terra de Judá desolada. -- Jeremias 52:12-15, 24-27; 36:29-31.
Todavia, os que se estribam principalmente na informação secular quanto à cronologia daquele período dão-se conta de que, se Jerusalém tivesse sido destruída em 587/6 A.E.C., certamente não se teriam passado 70 anos até Babilônia ser conquistada e Ciro deixar os judeus voltar à sua pátria. Na tentativa de harmonizar as questões, afirmam que a profecia de Jeremias começou a cumprir-se em 605 A.E.C. Escritores posteriores citam Beroso como dizendo que Nabucodonosor, após a batalha de Carquemis, estendeu a influência babilônica sobre toda a Síria-Palestina, e que, quando voltou a Babilônia (no seu ano de ascensão, 605 A.E.C.), levou cativos judaicos ao exílio. Assim calculam os 70 anos como período de servidão a Babilônia, começando em 605 A.E.C. Isto significaria que o período de 70 anos expiraria em 535 A.E.C.
Mas, esta interpretação traz vários problemas grandes:
Embora Beroso afirme que Nabucodonosor levou cativos judaicos no seu ano de ascensão, não há nenhum documento cuneiforme que confirme isso. O que é ainda mais significativo, Jeremias 52:28-30 relata cuidadosamente que Nabucodonosor levou cativos judaicos no seu sétimo ano, no seu 18.º ano e no seu 23.º ano, não no seu ano de ascensão. Também, o historiador judaico Josefo declara que, no ano da batalha de Carquemis, Nabucodonosor conquistou toda a Siria-Palestina, "exceto a Judéia", contradi-
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zendo assim Beroso e entrando em conflito com a afirmação de que os 70 anos de servidão judaica começaram no ano de ascensão de Nabucodonosor. -- Antiquities of the Jews X, vi, 1.
Além disso, em outro lugar, Josefo descreve a destruição de Jerusalém pelos babilônios e diz então que "toda a Judéia e Jerusalém, e o templo, continuaram a ser um deserto por setenta anos". (Antiquities of the Jews X, ix, 7) Declarou especificamente que "nossa cidade ficou desolada durante o intervalo de setenta anos, até os dias de Ciro". (Against Apion I, 19) Isto concorda com 2 Crônicas 36:21 e Daniel 9:2, de que os preditos 70 anos foram 70 anos de desolação total do país. O escritor Teófilo de Antioquia, do segundo século (E.C.), também mostra que os 70 anos começaram com a destruição do templo, após o reinado de 11 anos de Zedequias. -- Veja também 2 Reis 24:18 a 25:21.
Mas a própria Bíblia fornece evidência ainda mais marcante contra a alegação de que os 70 anos começaram em 605 A.E.C. e que Jerusalém foi destruída em 587/6 A.E.C. Conforme já mencionado, se fôssemos contar a partir de 605 A.E.C., os 70 anos chegariam a 535 A.E.C. Mas, o inspirado escritor bíblico Esdras relatou que os 70 anos se estenderam até o "primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia", que emitiu o decreto que permitiu aos judeus voltar à sua pátria. (Esdras 1:1-4; 2 Crônicas 36:21-23) Os historiadores aceitam que Ciro conquistou Babilônia no outubro de 539 A.E.C. e que o primeiro ano de reinado de Ciro começou na primavera (setentrional) de 538 A.E.C. Se o decreto de Ciro foi emitido mais para o fim de seu primeiro ano de reinado, os judeus podiam ter estado facilmente de volta na sua pátria por volta do sétimo mês (tisri), conforme diz Esdras 3:1; isto seria em outubro de 537 A.E.C.
Todavia, não há maneira razoável de esticar o primeiro ano de Ciro de 538 até 535 A.E.C. Alguns tentaram eliminar o problema de modo forçado alegando que Esdras e Daniel, ao falarem do "primeiro ano de Ciro", estavam usando algum conceito judaico peculiar, que diferia da contagem oficial do reinado de Ciro. Mas isto não pode ser sustentado, porque tanto um governador não-judaico como um documento dos arquivos persas concordam em que o decreto foi emitido no primeiro ano de Ciro, assim como os escritores bíblicos relatam com cuidado e especificamente. -- Esdras 5:6, 13; 6:1-3; Daniel 1:21; 9:1-3.
A "boa palavra" de Jeová está relacionada com o período predito de 70 anos, porque Deus disse:
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"Assim disse Jeová: 'De acordo com o cumprimento de setenta anos em Babilônia, voltarei minha atenção para vós, e vou confirmar para convosco a minha boa palavra por trazer-vos de volta a este lugar.'" (Jeremias 29:10)
Daniel estribou-se nesta palavra, confiando em que os 70 anos não fossem um 'número redondo', mas uma cifra exata em que se podia confiar. (Daniel 9:1, 2) E assim veio a ser.
De maneira similar, estamos dispostos a ser guiados principalmente pela Palavra de Deus, em vez de por uma cronologia que se baseia primariamente em evidência secular ou que discorda das Escrituras. Parece evidente que o entendimento mais fácil e mais direto das diversas declarações bíblicas é que os 70 anos começaram com a desolação completa de Judá, depois de Jerusalém ter sido destruída. (Jeremias 25:8-11; 2 Crônicas 36:20-23; Daniel 9:2) Assim, contando para trás 70 anos a partir de quando os judeus voltaram à sua pátria em 537 A.E.C., chegamos a 607 A.E.C. como data em que Nabucodonosor, no seu 18.º ano de reinado, destruiu Jerusalém, tirou Zedequias do trono e acabou com a linhagem de reis judeus no trono, na Jerusalém terrestre. -- Ezequiel 21:19-27.