A CRUZ COROADA
Odracir
Apenas nos anos 90, a Sociedade Torre de Vigia trouxe ao conhecimento de sua comunidade atual alguns dos símbolos utilizados pela organização ao longo de sua história. A publicação Proclamadores - encarregada dessa missão - expõe, na p. 200, um deles: a cruz coroada, presente em diversas publicações das Testemunhas até 1931. O livro classifica-a de 'símbolo decorativo', do qual a instituição abriu mão supostamente após o entendimento de que as ações - antes dos símbolos - deveriam identificar o cristão e após a 'descoberta' de que Cristo morreu em uma estaca única, não em uma cruz. Mas, tratava-se apenas de uma inocente "decoração"?
A partir deste momento, examinaremos as ocorrências da cruz coroada na simbologia de diferentes instituições, ao mesmo tempo em que buscaremos determinar a origem deste e de outros símbolos 'decorativos' empregados pelas Testemunhas de Jeová em seus primórdios.
Observemos as gravuras abaixo:
As três figuras representam claramente o símbolo há pouco mencionado - a cruz coroada. A primeira foi obtida da capa de uma revista A Sentinela de 1911, a segunda, do Fotodrama da Criação (1914) e a terceira é a foto de um adorno em forma de broche, comum naquele tempo. Os ramos em volta do símbolo não existiam no princípio, tendo sido introduzidos posteriormente (a partir de 1895) como representativos da 'dedicação'. Por volta dessa época, ao se exibir a cruz coroada, também eram comuns as palavras 'Sem cruz, não há coroa!". Isto significava que, sem a aceitação de que Cristo morreu por nós na cruz, tampouco a pessoa seria contada digna de ser herdeira dele como um dos 144.000 escolhidos. Os então 'Estudantes da Bíblia' costumavam portar o broche como símbolo de sua "unção". Todavia, segundo um membro da Grande Loja Maçônica da Pensilvânia-EUA, a cruz e a coroa representam a união entre igreja e estado. Por outro lado, a obra The Masonic Report ["O Relatório Maçônico"], de C. F. McQuaig (1976, p. 34), afirma que, na verdade, a cruz coroada tem para os maçons um significado fálico (sexual).
Façamos agora uma análise comparativa entre os símbolos cultivados por sociedades místicas diversas e aqueles usados pelas Testemunhas de Jeová ao longo de sua história. Conforme vimos, caso uma pessoa comparecesse a uma apresentação do 'pastor' Russell em 1914, veria à sua frente a cruz coroada na tela do "Fotodrama", tal qual exibida acima. Se, mais tarde, a mesma pessoa entrasse em um templo maçônico - lá mesmo, na Pensilvânia - encontraria o seguinte cenário:
Púlpito da Grande Loja Maçônica do rito de York - Pensilvânia (EUA)
Queira o leitor observar a figura no alto do palco, entre os lustres. Parece-lhe familiar? Não há dúvida de que se trata do mesmíssimo símbolo encontrado nas publicações e nos slides do 'pastor' Russell. Seria apenas uma coincidência - um ornamento comum a uma época - ou tal símbolo faz parte da liturgia maçônica? A resposta pode ser facilmente obtida da própria Maçonaria. Observemos as ilustrações abaixo:
As duas primeiras gravuras foram obtidas de sites franco-maçônicos americanos tradicionais, praticantes do assim chamado rito de York (pois há também o rito 'escocês'). A terceira gravura provém de uma loja maçônica italiana. Além da cruz coroada, vemos representadas a 'cruz de Constantino' (com a célebre declaração "Com este símbolo vencerás") e as espadas medievais.
Examinemos agora duas fotos obtidas, respectivamente, do site oficial e de um CD dos antigos 'Estudantes da Bíblia', dos quais originaram-se as Testemunhas de Jeová:
Indiscutivelmente, o símbolo em questão é o mesmo - a cruz coroada. Isto significa que os atuais 'Estudantes da Bíblia' continuam fiéis à sua origem. A seguir, fornecemos o emblema maçônico de uma loja do rito de York:
Repare o leitor que, ao centro do emblema, encontramos, mais uma vez, a cruz coroada, à frente do compasso, das espadas e do triângulo. Como a Maçonaria é bem anterior ao nascimento de Russell, é lógico que ele copiou o símbolo e o adaptou ao seu movimento religioso. Contudo, como obteria permissão ou faria jus a isso? Uma forma poderia ser - tendo obtido o mais alto grau da Maçonaria. Todavia, ela não é a única entidade a fazer uso deste e de outros símbolos. Examinemos também os símbolos de uma outra sociedade mística, os Rosacruzes. Há uma polêmica quanto à sua real origem. Uma corrente histórica atribui o nome da ordem ao seu suposto fundador, Christian Rosenkreutz (1378-1484). Cronologicamente, porém, a ordem Rosacruz é mencionada pela primeira vez na Alemanha, no século 12. Eis alguns de seus símbolos:
Aqui, mais uma vez, distinguimos a cruz coroada. Em face do exposto, não nos resta senão concluir que ela NÃO é apenas o 'símbolo decorativo' que a Sociedade Torre de Vigia menciona no livro Proclamadores, mas trata-se de um emblema do mais profundo teor esotérico, místico e espiritualista. E não é exclusivo da Maçonaria ou do Rosacrucianismo, mas tem papel destacado também na feitiçaria e em seitas místicas menores. Para exemplificar, encontramos um interessante achado na capa de um dos livros de Mary Baker Eddy (1821-1910), fundadora da "Igreja da Ciência Cristã" - surgida no mesmo país do movimento de Russell e apenas dois anos antes do nascimento da Sociedade Torre de Vigia. Assim como o 'pastor', ela também foi membro da Igreja Congregacional, antes de fundar a sua própria. Eis o símbolo a que nos referimos:
Novamente surge a cruz coroada diante de nossos olhos. Ao redor dela - em vez dos ramos da Torre de Vigia ou do brasão da Maçonaria - há uma faixa com as inscrições "Curar os Doentes", "Levantar os Mortos", "Limpar os Leprosos" e "Expulsar Demônios". Concluímos, assim, que cada instituição preservou o símbolo básico da cruz e da coroa, complementando-o com adereços mais adequados à sua corrente ideológica. Em outras palavras, os 'modismos' da cultura em que se encontram os fundadores de movimentos religiosos incorporam-se à liturgia por eles criada, gerando pontos em comum entre as diversas instituições nascidas de uma mesma época e em um mesmo país, ainda que defendam ideologias distintas, até mesmo conflitantes. Esta tese é consistente com o fato de os diversos movimentos religiosos que ramificaram a partir do Adventismo norte-americano - entre eles, o de Russell - terem herdado de seu 'tronco' original a mesmíssima simbologia. Desse modo, indagamos: não deveria afligir a consciência de uma Testemunha de Jeová sincera o fato de o fundador de sua religião e diversos místicos - entre eles, Mary Baker Eddy - terem, por assim dizer, 'bebido da mesma fonte'?