NASCE A IDADE DO OURO (DESPERTAI!)
Odracir
O livro Proclamadores, publicado pelas Testemunhas de Jeová desde 1993, na pág. 258, relata que o presidente, após o anúncio, declarou aos ouvintes: "...não estareis meramente fazendo a promoção como representantes de uma revista, mais sois embaixadores do Rei dos reis e Senhor dos senhores, ...anunciai a vindoura Idade de Ouro...". Nesse congresso, milhares atenderam ao chamado e se dispuseram a fazer a nova revista chegar a tantos lares quanto pudessem. E assim foi feito. Afinal de contas, os divulgadores da revista - trabalhadores não remunerados - presumiam, à luz do que lhes fora declarado no congresso de 1919, que tal publicação era instrumento do 'Rei dos reis' e 'Senhor dos senhores' - Jesus Cristo - para disseminar verdades sobre os mais diversos aspectos da vida de seus 'embaixadores'. Imbuídos de tal crença foi que eles deram início a essa árdua tarefa. Esse é um dos aspectos relevantes que ajudam a explicar o crescimento astronômico das tiragens da revista até a atualidade, pois, ainda hoje, milhões de trabalhadores voluntários continuam a distribuí-la a dezenas de países do mundo em seu serviço de pregação. As gigantescas gráficas também são operadas por trabalhadores autônomos - Testemunhas de Jeová voluntárias -, o que tem desonerado em muito o custo de produção dos exemplares, permitindo à Sociedade Torre de Vigia aumentar consideravelmente a margem de lucro (por mais pejorativa que a idéia de 'lucro' pareça às organizações religiosas).
Para estar à dianteira desse projeto, foi nomeado editor-chefe de A Idade de Ouro um dos membros da diretoria do presidente Rutherford, seu associado e amigo pessoal Clayton Woodworth - cargo que exerceu até 1946, quando a revista passou a se chamar Despertai!, nome pelo qual é hoje mundialmente conhecida. Sua designação foi um ponto-chave na evolução da revista, já que, conforme veremos, por décadas à frente, as matérias publicadas nas edições de A Idade de Ouro refletiriam, em maior ou menor grau, as idéias de seu editor-chefe, bem como as de seu superior, o 'juiz ' Rutherford. Diversas coisas poderiam ser ditas sobre o Sr. Woodworth, exceto que ele fosse uma pessoa comum. Em 1913, ele compareceu a uma convenção dos Estudantes da Bíblia em Asheville, Carolina do Norte, na qual proferiu um discurso onde relatou experiências passadas de possessão demoníaca. Durante seu testemunho pessoal, ele disse ter estado "sob influência direta de espíritos malignos, com tanta intensidade que, por três dias, esteve sob completo controle demoníaco". É também dele o estranho comentário sobre Apocalipse, contido no livro The Finished Mistery [O Mistério Consumado], de 1917, págs. 126 e 127, onde ele fala de algo como a "base do cérebro sendo prensada tal qual ocorre em um torno mecânico", de "anjos caídos", de "visões", de uma "loucura temporária" e de uma "gloriosa névoa esverdeada ou amarelada". Tais palavras ajudam-nos a reconstituir o perfil daquele que, por quase 30 anos, teria o controle ideológico de A Idade de Ouro.
C.J. Woodworth : editor-chefe de A Idade de Ouro
A partir deste ponto, é conveniente situarmos historicamente o instante de lançamento da publicação, a saber, o início dos anos 20 - época em que grassavam muitas crendices populares e conceitos pseudocientíficos, tais como a frenologia, curas psíquicas, terapias esotéricas e coisas assim. Teria A Idade de Ouro endossado alguma dessas crenças? Tal questão parece vital, pois, em caso afirmativo, a idoneidade dos autores da publicação, bem como a suposta bênção de Jesus Cristo sobre seu trabalho certamente estariam sob suspeita. É razoável supor que, sob tal tutela iluminadora, os editores estariam livres de 'contaminações' pagãs, estando assim aptos a manter seu vasto contingente de leitores igualmente protegidos de tais crenças e práticas que nada tem que ver com o cristianismo. O que mostram os exemplares de A Idade de Ouro desse período? Vejamos:
A edição de 5 de Agosto de 1931 da revista The Golden Age, pág. 727, deixa bem clara qual era a concepção da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (sede central das Testemunhas de Jeová) sobre a medicina tradicional:
Fazemos bem em ter presente que, entre as drogas, soros, vacinas, operações cirúrgicas, etc., da profissão médica, não existe nada que se aproveite, exceto um procedimento cirúrgico ocasional. Toda a "ciência" (como eles a chamam) procedeu da magia negra egípcia e não perdeu o seu caráter demoníaco.... estaremos numa triste condição quando colocarmos o bem estar da raça na mãos deles.
Seria difícil para uma pessoa informada em nossos dias levar tais palavras a sério. Todavia, elas expressam exatamente a noção de ciência médica que a entidade governante das Testemunhas de Jeová tinha e divulgava. Esta mentalidade prevaleceria por décadas no futuro - até os anos 50 - com mais e mais artigos sobre o tema sendo lançados ao público, de modo a incutir nele uma visão, no mínimo, depreciativa da classe médica. Conforme veremos, paralelamente, uma ampla variedade de 'receitas' e terapias bizarras foram sendo endossadas pela revista, ao passo que a medicina tradicional era constantemente combatida.
Na verdade, se há uma coisa que marcou profundamente a mentalidade da Sociedade Torre de Vigia nesta época, foi a oposição à toda forma de ortodoxia, fosse na medicina ou na teologia. Este fator - combinado à forte personalidade do presidente Rutherford - conferiu às publicações deste período um tom inflamado e agressivo que nem de longe lembra o estilo cauteloso e diplomático hoje presente em Despertai! e A Sentinela. O linguajar desta época era áspero, irônico e por vezes arrogante, granjeando impopularidade para a organização e chegando a suscitar represálias políticas e religiosas contra as Testemunhas de Jeová. Alguns artigos publicados em sua literatura, de fato, deixavam transparecer traços de paranóia contra certas instituições - principalmente a política e a religião. Se houve alguma vez uma Torre de Vigia contenciosa e obstinada, foi, sem dúvida, na era Rutherford que ela teve seu clímax.
A história tem mostrado que a religião em geral cometeu erros gravíssimos ao imiscuir-se na ciência - com conseqüências altamente danosas para a humanidade. Foi assim na idade média e ainda é em algumas partes do mundo hoje em dia. Aparentemente, a Sociedade Torre de Vigia não constitui uma exceção. Prossigamos em nossa retrospectiva.