EXEMPLO 1
Tradução:
O MISTÉRIO CONSUMADO
"Era pensamento do Irmão Russell ter o 'ESTUDOS NAS ESCRITURAS' lançado em sete volumes e em 1886 ele anunciou este fato. Seguindo-se à sua morte, a Sociedade fez com que fosse elaborado e publicado o Volume VII, 'O Mistério Consumado', como um da série de sete anunciados previamente pelo Irmão Russell. As doutrinas colocadas neste estão em exata harmonia com aquelas anunciadas nos outros seis. Que (ele) contém alguns erros é abertamente admitido. Até a Bíblia contém alguns. Por 'erro' nós queremos dizer um mau entendimento ou uma má aplicação. Não contém nenhuma doutrina errada. Tenta transmitir - e, modéstia à parte, sai-se bem em certa medida - a mensagem que parece ser contemplada pela incumbência dada aos seis, descrita em Ezequiel 9."
Comentário:
O trecho acima, extraído de A Sentinela de 1/4/1920, p. 103, trata daquela que provavelmente merece o título de 'a publicação mais comprometedora já lançada pela Sociedade Torre de Vigia' - o livro O Mistério Consumado (1917). Praticamente nenhuma Testemunha de Jeová da atualidade jamais leu uma página desta obra e dificilmente poderia fazê-lo sem sofrer sérios abalos em sua fé. Por meio do texto acima, os editores tentam 'limpar' a imagem do livro tanto quanto possível. Fazem isso por recorrer a uma perigosa estratégia - um paralelo entre O Mistério Consumado e a Bíblia, sugerindo que amboscontém erros. Reconhecer erros no livro publicado pela Sociedade não é tarefa difícil; tanto é assim que ela própria o admite. Porém, ao atribuir erros à Bíblia - com o propósito de absolver os seus próprios - os editores puseram-se diante de uma tarefa espinhosa. Se afirmassem de modo genérico que a Bíblia contém erros, estariam solapando o alicerce do cristianismo, a saber, a crença na inspiração divina. De modo que o produto final - transcrito acima - tenta manter-se dentro dos limites de uma trilha muito estreita: de um lado, os erros das publicações da Sociedade e, do outro, os 'erros' contidos na Bíblia. Observe o leitor que os autores do artigo deram sua definição para 'erro': um mau entendimento ou uma má aplicação. A sentença seguinte usa o pronome neutro it, ao invés de indicar o sujeito da oração; de modo que não se sabe se a afirmação "Não contém nenhuma doutrina errada"refere-se ao livro O Mistério Consumado ou à Bíblia. Tanto pode referir-se a um como a outro. Apenas a próxima sentença refere-se claramente ao livro. O contexto, por sua vez, parece ter sido elaborado com a finalidade de deixar lacunas de entendimento.
Deste modo, a publicação defendida confunde-se com a Bíblia até certo ponto e toma emprestada parte da respeitabilidade dela. É como pensar: 'Bem, o livro das Testemunhas de Jeová contém erros, mas a Bíblia também os contém e nem por isso deixamos de crer nela; assim sendo, devemos desconsiderar os erros do livro'. Todavia, o artigo não esclarece de que modo a Bíblia contém 'maus entendimentos' ou 'más aplicações'. Nenhum exemplo é citado. Nem seria interessante citar. Os autores do texto acima mostram notável habilidade em dar explicações por meio de linguajar dúbio. Não ficam aquém do necessário para mostrar seu ponto nem vão além do que é prudente ir, deixando lacunas de entendimento e duplicidade de sentido. Por assim agirem, põem-se a salvo de posteriores contestações, podendo - em face da permissividade da gramática - afirmar não terem dito o que disseram - 'tudo não passa de um erro de interpretação'. Lamentavelmente, essa prática não é incomum na literatura das Testemunhas de Jeová.
EXEMPLO 2
"As verdades que apresento, como porta-voz de Deus, não foram reveladas em visões ou sonhos, tampouco pela voz audível de Deus, nem todas elas de uma só vez, mas gradativamente..." (Grifo acrescentado)
- Proclamadores, 1993, p. 143
Comentário:
A declaração acima foi proferida por C. T. Russell e publicada originalmente em A Sentinelade 15/7/1906. Trata-se de mais um notável exemplo de linguagem ambígua. Vejamos: o 'pastor' menciona 'verdades' reveladas e chama a si mesmo 'porta-voz de Deus'. Um porta-voz, por definição, é aquele que fala por alguém, cujos pensamentos e intenções lhe são revelados diretamente. A partir desta afirmação, o leitor é inevitavelmente induzido a presumir que os ensinos de Russell contavam com alguma medida de intervenção divina. Todavia, o 'pastor' afirma que tais 'verdades' não chegaram por meio de sonhos ou visões nem pela voz audível de Deus e conclui a declaração com uma antítese, afirmando que não lhe foram reveladas 'de uma só vez, mas gradativamente'. Se relermos a declaração, verificaremos que a última sentença - referente ao ritmo das revelações - é completamente secundária à questão central não esclarecida: a forma das supostas revelações. O texto começa com três negações - 'nem sonhos nem visões nem voz' - e finda com uma negação e uma afirmação - 'nem de uma só vez, mas gradativamente'. Resumindo, concernente às supostas revelações, o autor disse quatro vezes o que não eram e apenas uma vez o que eram, deixando lacunas a serem preenchidas. Tivesse havido, para cada negação, uma alternativa, a mensagem talvez fosse plenamente compreensível. Contudo, concedamos a Russell outra oportunidade de esclarecer o ponto. Em uma carta a um leitor, ele diz:
"... o autor desses ensinos [Russell] não afirma ser inspirado, mas meramente ter a direção do Senhor, como alguém usado por ele para alimentar seu rebanho."
- Proclamadores, 1993, p. 622
Russell, aqui, ao invés de lançar uma luz definitiva sobre a questão das revelações, torna-a ainda mais obscura, pois coloca, lado a lado, duas palavras cuja diferença é bastante sutil - 'inspirado' e 'dirigido'. A primeira é o termo preferencial no padrão bíblico e aplica-se diretamente aos escritos canônicos. Obviamente, seria demasiado comprometedor para Russell atribuir a si tal prerrogativa. Talvez o maior inconveniente do padrão bíblico é que se alguém for 'inspirado', também será infalível. Todavia, Russell não reivindicou infalibilidade. Ainda assim, era sua intenção que seus ensinamentos fossem obedecidos. Encontrava-se, pois, em um dilema: caso afirmasse ser inspirado, suas palavras teriam de ser seguidas à risca, mas ele não poderia errar. Por outro lado, se afirmasse laconicamente não ter inspiração ou qualquer outro dom de cunho sobrenatural, seu ensino não seria acatado. Russell era homem criativo e habilidoso com as palavras. Assim sendo, sua solução foi dizer-se 'dirigido' - uma cômoda condição onde gozaria simultaneamente dos benefícios da falibilidade e da estrita adesão dos seguidores. Convenientemente, o texto falha em estabelecer a linha limítrofe entre alguém ser "inspirado" ou "dirigido". Todavia, a questão subjacente era uma só - a obediência.
Qual o padrão atualmente adotado pela Sociedade Torre de Vigia? Deixemos que ela própria se expresse:
"A organização visível de Deus hoje também recebe orientação e direção teocráticas."
- Poderá Viver para Sempre... , 1982, pág. 195 (em português)
Vemos, assim, que a Sociedade segue rigorosamente a 'escola' de seu fundador, reivindicando para si a ambígua prerrogativa da 'direção' divina. É compreensível que seja assim, pois a organização carece - assim como Russell carecia - da estrita adesão de seus membros a fim de sobreviver institucional e ideologicamente. Também hoje, ela omite-se de esclarecer exatamente qual a divisa entre 'inspiração' e 'direção'. Entretanto, como no passado, o objetivo por trás de tal linguajar dúbio continua a ser um só: a obediência dócil aos seus ensinos, mesmo que se descubra mais tarde estarem em erro.