RUSSEL E AS PIRÂMIDES
Odracir
Russell era homem extremamente criativo. Todavia, não foi original em muitas de suas idéias e superstições. Um exemplo clássico era sua fascinação por pirâmides. De quem a teria herdado? Bem, há duas fontes em potencial: o Adventismo e as sociedades esotéricas. Examinemos cada uma...
As pirâmides eram objeto de estudo por parte dos Adventistas, no século 19. Em 1876, o professor C. Piazzi Smyth - um astrônomo e piramidólogo anglo-israelita - publicou um artigo sobre a piramidologia no periódico Bible Examiner, de George Storrs, o associado de Russell que mencionáramos há pouco (Proclamadores, p. 46). Algum tempo depois, o próprio Storrs escreveu artigos sobre esse tema no periódico Herald of Life and the Coming Kingdom [Arauto da vida e da Vinda do Reino]. Não é difícil deduzir que ele e o 'pastor' compartilharam o estudo dessa matéria, pois o próprio Russell, dedicaria, em 1897, todo o capítulo 10 do volume III de Studies in the Scriptures[Estudos das Escrituras] ao significado das medidas da Pirâmide de Gizé quanto ao cumprimento das profecias bíblicas. Já publicamos uma foto dessa obra neste artigo, no tópico 'A Lâmpada Oriental'.
O livro Proclamadores, na p. 201, faz uma confissão do envolvimento de Russell com a piramidologia, muito embora procure atenuar a importância do fato por classificá-lo como um simples 'pensamento' dele por 'apenas' 35 anos. Mas, era realmente assim - um 'pensamento'? Ou era uma doutrina fundamental? Afinal, quanto destaque se deu à piramidologia no movimento das Testemunhas de Jeová - em um período, durante o qual se diz que Jesus Cristo estava a examiná-lo e aprová-lo? Este é o nosso próximo enfoque.
Conforme mencionáramos anteriormente, foi apenas na última década do século 20 que a Sociedade Torre de Vigia exumou alguns capítulos embaraçosos de sua história, por meio da obra Proclamadores (1993) - ainda assim, de uma forma bastante sucinta e por meio de eufemismos, como já comentamos. Entretanto, após o tema 'piramidologia' ser continuamente esmiuçado na internet - em forma de denúncias - a organização julgou conveniente abordar mais uma vez o 'romance' entre Russell e as pirâmides. Ante a impossibilidade de negar os fatos, amplamente apoiados em provas documentais, criou-se uma versão piedosa dos mesmos, colocados em um contexto de 'purificação espiritual'. Vejamos o que diz este curioso artigo em A Sentinela de 1/1/2000, p.9 :
"Em 1886, quando C. T. Russell publicou um livro que passou a ser chamado 'O plano Divino das Eras', este livro continha uma tabela relacionando as eras da humanidade com a Grande Pirâmide do Egito.Pensava-se que este monumento do faraó 'kufu' [Quéops] fosse a coluna mencionada em Isaías 19: 20... Que relação podia ter uma pirâmide com a Bíblia? Ora, por exemplo, pensava-se que o comprimento de certas passagens na Grande Pirâmide indicava o tempo do começo da 'Grande Tribulação' de Mateus 24: 21, conforme se entendia então. Alguns Estudantes da Bíblia ficaram absortos em medir certos detalhes da pirâmide para descobrir assuntos tais como o dia em que iriam para o céu!"
Mais uma vez os autores preferem a palavra 'pensamento', ao invés de 'ensino' ou 'doutrina'. Também o sujeito das orações é omitido ou obscurecido em alguns trechos pelas expressões "pensava-se" ou "entendia-se" - um recurso já consagrado pelas publicações das Testemunhas de Jeová ao abordarem partes indesejáveis de sua história. Quem 'pensava'? Quem 'entendia'? A resposta é uma só - A ORGANIZAÇÃO! E não só entendia como ensinava.
Vejamos agora a tabela à qual o artigo se refere:
Conforme mostra a figura, Russell criou um elaborado diagrama esotérico para a interpretação das profecias bíblicas. Ele pode ser visto na p. 162 do livro Proclamadores. Curiosamente, o texto ao redor da figura faz referência a ela sem dar uma só palavra sobre o significado do desenho em forma de pirâmide. Deveras, seria embaraçoso fazê-lo, pois nada representa tão bem a fusão da escatologia adventista com os símbolos maçônicos quanto esta tabela.
O artigo de janeiro de 2000 faz referência ao primeiro volume de 'Estudos das Escrituras', publicado em1886, o qual continha o diagrama acima. Em 1897, o recém-lançado terceiro volume - Venha o Vosso Reino - foi mais longe ainda, chamando a Pirâmide de Quéops de 'Testemunha de Jeová' (p. 320), mais de 30 anos antes de J. F. Rutherford - o sucessor de Russell - ter adotado este nome para os então 'Estudantes da Bíblia'. Todavia, o fascínio pelas pirâmides não pararia por aí. Em 1915, foi publicada pela organização uma obra de 438 páginas, quase homônima ao volume 1 -- The Divine Plan of Ages as Shown in the Great Pyramid ("O Plano Divino das Eras Como Mostrado na GRANDE PIRÂMIDE") -- provavelmente de autoria de Morton Edgar -- uma edição de visual mais atraente do que o primeiro volume de Russell e totalmente inspirada no livro dele. Eis a capa:
Aqui, novamente, distinguimos a figura de uma pirâmide. Seria justificável o lançamento de mais um livro sobre o tema, caso se tratasse apenas de um 'pensamento' individual de Russell? A propósito, o estudo das pirâmides estava entre as 'verdades preciosas' em comum com os 'irmãos maçons', diante dos quais o 'pastor' discursou em 1913.
Em 1914, se uma pessoa comparecesse ao 'Fotodrama da Criação' (Proclamadores, pp. 56 e 57), veria, em um dos slides, a seguinte imagem:
Trata-se da esfinge egípcia, tendo ao fundo a Grande Pirâmide de Gizé. A essa altura, desnecessário é frisar a importância destes monumentos para o 'pastor' Russell. Caso a pessoa, em seguida, entrasse em um templo Rosacruz ou maçônico, se depararia com o seguinte cenário:
Percebe o leitor a similaridade? Não parecem as duas imagens provir de um mesmo ambiente? No entanto, a primeira imagem era exposta ao público como 'alimento espiritual' oriundo do cristianismo, livre de contaminações pagãs.
Até mesmo na arquitetura da Sociedade Torre de Vigia podemos encontrar indícios de seu passado envolto em piramidologia. Observemos a foto abaixo:
Este prédio foi construído em 1927 por J. F. Rutherford . Se repararmos bem, notaremos, no alto da fachada, uma série de adornos em forma de pequenas pirâmides. Seria apenas uma coincidência?
Para concluirmos este tópico, apresentaremos a prova definitiva do profundo envolvimento de Russell com a piramidologia. Trata-se de seu túmulo:
Este maciço monumento em forma de pirâmide jaz ao lado dos restos mortais de C. T. Russell há mais de 80 anos. Contém o nosso já conhecido símbolo da cruz coroada, bem como o nome 'Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados'. Saberia o leitor identificar as edificações ao fundo? Pois trata-se do grande complexo maçônico de Pittsburgh. Ao que tudo indica, não poderia haver vizinhança mais apropriada.
Uma pirâmide de pedra era, inquestionavelmente, uma homenagem honrosa para o 'pastor' Russell, pois, em vida, nenhum outro objeto esotérico exerceria tanto magnetismo sobre ele, tendo-o motivado, inclusive, a viajar milhares de quilômetros para conhecer pessoalmente a Grande Pirâmide de Gizé . Eis as fotos dessa tour mística, realizada em 1912:
Na primeira foto, vemos Russell e sua comitiva defronte ao grande monumento egípcio - a 'bíblia de pedra' como era chamado. Na segunda foto, o 'pastor' recebe ajuda ao escalar os degraus da Grande Pirâmide. Após sua peregrinação a este lugar 'sagrado', ele aproveitou a ocasião para proferir seu célebre discurso "Uma Testemunha de Deus - a Grande Pirâmide do Egito" - publicado em A Sentinela de junho de 1912. Suas palavras devem ter tido forte efeito sobre aqueles de seu tempo. Russell apegou-se ferrenhamente a tal crença até sua morte, em 1916. O monumento fúnebre no Cemitério Rosemont (em Pittsburgh) preservou no tempo a 'marca registrada' do russellismo, resistindo até hoje como prova insofismável dela.
Ante o peso das evidências, a organização defende-se por enfatizar que abandonou a piramidologia em 1928 - o que é verdade. Contudo, é difícil aceitar - de acordo com a doutrina atual das Testemunhas de Jeová - que, durante o assim chamado período de inspeção de Jesus Cristo (1914 - 1918), tenha ele dado seu 'carimbo' de aprovação aos 'Estudantes da Bíblia', fazendo 'vista grossa' a um envolvimento tão patente com aquilo que a organização hoje chama de 'satânico'.