"VIDA E MORTE NO PODER DA LÍNGUA"
Odracir
R., Brasil, 29-09-1999
Já se passaram cerca de 12 anos que esta história aconteceu. Eu tinha entre meus 16 e 17 anos. Era uma cristã embora jovem, mas com o fervor de uma consciência treinada no trabalho de pioneira. Resolvi escolher um jovem, filho de um ancião, para ser o meu primeiro namorado e poder servir ao meu lado e lealmente a meu amado Deus. Me apaixonei arduamente por este irmão, a ponto de esquecer barreiras sociais, e até intelectuais. Ao enfrentar meus pais, tive forças para ultrapassar qualquer outro empecilho e demonstrar meu sincero amor por este irmão. Porém, não imaginava que iria passar também por uma prova de fé tão severa. Em face aos anos em que ficamos juntos, comecei a enfrentar o problema que, em algum momento, vem a todos os jovens namorados. As nossas intimidades, que insistiam em aumentar, me levaram a procurar ajuda de meus anciões. O que não me deixava satisfeita é que nunca chamaram meu noivo para poder ter uma conversa com ele e também ajudá-lo. Minhas visitas eram freqüentes. O nosso relacionamento estava muito abalado. Já não sabia até que ponto ele realmente me amava. Cheguei a me convencer de que ele estaria comigo apenas até o momento em que eu cedesse. Foi um longo tempo de desgaste emocional e longas noites de consciência abalada. O pior é que ninguém se mostrou interessado em nos ajudar. Talvez por ele ser filho de um ancião e também por estarmos em um tempo bem próximo ao nosso casamento. Mas isso não me protegeu das seqüelas. Em uma noite, cerca de um mês antes de nosso casamento, em minha casa, meu noivo me acordou em longos beijos e intimidades que me levaram, no dia seguinte, a imaginar que tinha cometido o maior de todos os pecados. Sem ele saber me dirigi a um ancião e lhe contei o que tinha acontecido. A verdade é que nem eu mesmo sabia ao certo o que tínhamos feito.
Chegou o dia da minha comissão judicativa. Esta ocorreu na presença de um Superintendente de Distrito e de mais três anciões maduros. A situação não era nada agradável, meu noivo não estava nem um pouco satisfeito com minha atitude, seu pai também me olhava com ar de desagrado. Até que no momento da reunião - a sós com estes irmãos - o peso foi maior do que imaginava. As perguntas eram embaraçadoras, tudo me levava a total inutilidade, me sentia o pior dos seres humanos. A vergonha era terrível. Confirmei tudo, afinal estava me sentido muito mal por ter errado. Mas mesmo assim, acreditava que Jeová ainda me amava e estava disposta a fazer qualquer coisa para agradá-Lo. Não sei o que se passou na comissão do meu noivo, só sei que ele não estava nada satisfeito com aquela situação e me condenava muito por isto.
A decisão era para ter sido rápida, porém um fato novo acontecera - o que era para ter sido guardado conosco, estava no conhecimento de meu irmão carnal e sua esposa. Não é difícil imaginar o que se sucedeu. Sua esposa fez questão de relatar "para apenas alguns irmãos", membros de sua família o que me acontecera, afinal era um bom "noticiário". Não satisfeitos, ainda 'rechearam' o relato de "lindas" estórias de traições e de uniões com outros homens que davam lindos dotes por noites vividas comigo. Fizeram ainda o 'favor' de dizer aos meus pais o que bem quiseram e de levar o caso "cuidadosamente a apenas mais alguns amigos". A situação terminou quando minha mãe me expulsou de casa. Meu irmão e sua esposa não falavam mais comigo, meu noivado estava acabado e, por cima, ainda descobri que o causador de tudo isto era um 'adorável e manso' irmão, que não participara da comissão, mas que, por ligações a um membro, tomou conhecimento do assunto da forma que melhor lhe satisfez e, a partir daí, resolveu tomar as dores de meu irmão carnal e fazer julgamento público de mim.
A punição sem dúvida alguma não agradou a todos, afinal eu era a nova 'Jezabel', tinha de ser jogada aos cães. O fato de ter sido apenas repreendida em público causou grande repercussão na congregação. Não se satisfizeram até o dia de hoje com tal ato de misericórdia. Não se conformaram mais ainda com o fato de meu noivo ter sido desassociado. Me senti o próprio pecado. Não sabia a quem recorrer. Não tinha mais noivo, nem irmão, nem mãe, nem congregação. Todos 'sabiam', e da forma deles, o que eu supostamente fiz. Surpreendia-me com cada novidade sobre atos cometidos por mim que as pessoas espalhavam. Por onde passava, os cochichos me seguiam: "Lá vai ela, a espertalhona que enganou o noivo, desassociou-o, enganou a todos com esta cara de santa. Há, ainda tem uma 'cobertura' na praia com um homem mais velho. Ele que paga suas lindas roupas. Como ela é cínica!".
Eu só tinha 17 anos, nunca tive outra experiência amorosa, acreditava em meus irmãos, acreditava na congregação, acreditava na confissão de meus pecados aos designados por Jeová como instrumento dele de ajuda. Até hoje não sei onde errei tão severamente. Será que foi por ter procurado ajuda de meus irmãos? Será que errei quando acreditei que isto fortaleceria minha união com meu amado noivo e com meu Deus? Tudo estava acabado para mim, minha juventude, minha pureza, minha lealdade a meus princípios, estava exposta a quem quisesse jogar a primeira pedra. Até hoje, neste momento, ainda sinto meu coração apertar, ainda choro aquelas lágrimas que nunca deixaram meu rosto. Ainda sinto os olhares, os falatórios, o suposto amor que perdi. Ainda sinto a minha vida quase acabada em um gole de veneno. Ainda sinto as mãos daquele amigo, hoje marido, que me impediu de concretizar tal ato. Embora não saiba se realmente era para ter acontecido assim, acho que deveria tudo ter acabado ali, nada deveria ter continuado. Nem mesmo a vida...