1 TIMÓTEO 2:9
"9 Da mesma sorte, que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, 10 porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas)."
— João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada.
ANÁLISE
Assim como Pedro, Paulo também faz uso de uma expressão idiomática semítica - "não... mas/porém". Ele também não pretendeu condenar o uso de enfeites. Leia sobre a "expressão idiomática semítica" na consideração sobre 1 Pedro 3:1-6.
Mas, por que Paulo escreveu estas palavras às mulheres cristãs? Infelizmente, algumas destas mulheres podiam ter tido a inclinação de usar de modo vaidoso roupa ostentosa e elaborados penteados que eram populares naqueles dias. Comentando a expressão “não com tranças, ou com ouro”, a Bíblia de Estudo Pentecostal, na nota explicativa da página 1866, diz: “Estas palavras devem se referir à prática de época de trançar os cabelos com fios de ouro, ou com outros artigos de luxo, inclusive como prática idolátrica.”
Desestimulava Paulo os enfeites ou estabelecia uma regra do que usar ou não usar? Claro que não! Repare que ele não diz: "Que as mulheres não se ataviem". O que ele diz é: “Que as mulheres se ataviem”. Entretanto, era permitido o exagero, o exibicionismo? Não! Ele acautela: "se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia..." Perceba que as expressões "pudor e modéstia" apontam para a forma correta de se "ataviar".
Comentários de Andre Reis
A influência da negação relativa é crucial para a correta exegese das passagens de 1 Timóteo 2:9, 10 pois como vimos, é uma característica da maneira Paulina de se expressar. Assim poderíamos ler sua declaração sobre o adorno das mulheres de Éfeso em 1 Timóteo 2:9,10 da seguinte forma: “Quero, do mesmo modo, que as mulheres se ataviem com traje decoroso, com modéstia e sobriedade, não tanto [ou primordialmente] com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou vestidos custosos, mas muito mais como convém a mulheres que fazem profissão de servir a Deus: com boas obras.” Dessa forma, sob o prisma do pensar hebraico de Paulo, não é viável a ideia de que há aqui uma proibição absoluta quanto ao uso de adorno exterior. O que vemos na verdade é a priorização do interior sobre o exterior, sem necessariamente que um seja proibido ou anulado. Esse aspecto da passagem também é reforçado quando consideramos que os termos no original grego traduzidos comumente como “modéstia, decência” (gr. aidous, latim pudor) e “respeito, discrição, moderação, auto-controle” (gr. sōphrosyn ē, latim prudentia) não são necessariamente incompatíveis com o uso do ouro, pérolas, vestidos e cabelos trançados. O princípio aqui é a moderação e não proibição.
Assim é evidente que na segunda parte da admoestação, Paulo parte para uma ênfase no fato de que são as “boas obras” e não tanto na aparência exterior que devem marcar a índole da mulher cristã. A passagem torna-se uma ênfase no serviço a Deus (gr. theosebeia), sem que haja necessariamente um descuido com a aparência. Acima de tudo, diz Paulo, que haja sōphrosynē, “auto controle, moderação”, a virtude por excelência da mulher romana. O conceito é tão importante que Paulo o repete no verso 15 instando as mulheres a “permanecerem na fé, no amor e na santificação com sobriedade [sōphrosynē].” Marshall explica que “as duas palavras [modéstia e moderação] expressam o decoro próprio da mulher cristã e que se contrapõe à sedução e ostentação de riqueza da mulher mundana.” ²¹ Era a falta de sōphrosynē no adorno e no vestir que abria as portas à sensualidade e indecência.
Sob este prisma, a leitura correta da passagem revela que devemos evitar proibições taxativas sobre adorno que pretendem fazer do exterior uma marca registrada do testemunho cristão. Essa ênfase no exterior é justamente o oposto da intenção de Paulo e de Pedro.
A verdade é que o princípio da busca pelas qualidades interiores é uma faca de dois gumes, seu fio atinge àqueles cristãos que tentam fazer do exterior o centro da sua identidade através do adorno exageradamente aparatoso, mas também atinge àqueles que tentam fazer da abstençãoda sua identidade. O ponto chave é simples: o exterior não é o que deve marcar a vida do cristão, mas sim o seu testemunho. A razão de Paulo também é bem mais profunda: usar ou não usar não faz diferença se meu testemunho, o que ocorre dentro do meu ser é destituído do poder do Espírito. A proibição do adorno inverte a intenção do texto bíblico ao tornar o exterior e a aparência um teste de fé. (Veja 1 Sam 16:7; Atos 10:34; Tiago 2:3,4). Afinal, seria contraproducente que Paulo quisesse enfatizar o interior e ao mesmo tempo criasse proibições quanto ao exterior! A modéstia, embora importante, não deve se tornar um fim em si mesma.